Como os outros nos vêem
12 Setembro2011 | 11:48
Luis Nazaré
Por muitas e pobres razões, somos o povo mais mal-agradecido do planeta. Quando a vida corre melhor, devemo-lo à "estranja".
Por muitas e pobres razões, somos o povo mais mal-agradecido do planeta. Quando a vida corre melhor, devemo-lo à "estranja". Quando não, o pecado mora em casa. Temos maus indicadores em certos domínios económicos e sociais? Somos nós os responsáveis, mais ninguém. Temos bons indicadores? Sentimo-nos logo culpados por estarmos à frente da maioria, esbanjando recursos escassos e sacrificando maleficamente as gerações futuras. Há uma crise? Venha uma tríade de olhos azuis e cabelos loiros para nos castigar, que bem merecemos. Acolhê-la-emos de braços abertos, felizes por termos sido objecto de tão criteriosa atenção. Esta leitura punitiva está longe de ser partilhada pelos que nos observam com atenção.
É certo que não podemos viver acima das nossas posses e da nossa capacidade de endividamento, muito menos num mundo globalizado onde os factores de produção se deslocam com a mesma facilidade da transferência da sede de um grupo económico para um paraíso fiscal. É certo que facilitámos, na convicção de que a União Europeia, a moeda única e o crescimento económico acomodariam sem problemas de maior as nossas aspirações a uma melhoria das condições de vida. Mas os resultados são inquestionáveis. Nos últimos 25 anos, enquanto a indústria se deslocalizava para o Oriente, Portugal conseguiu atingir um patamar de qualidade de vida que nem os revolucionários de Abril imaginariam ser possível.
Agora, que a crise económica internacional nos atingiu em pleno, desatámos a carpir mágoas pelos males do crédito fácil e do que ele permitiu alcançar. Para quem tem da política uma ideia de gestão do almoxarifado, os efeitos perversos são aflitivos. Mas, pelo menos na esfera das políticas públicas, a ineficiência económica e social do trajecto seguido está longe de ficar provada. Auto-estradas a mais, hospitais em excesso, escolas caras? Não é o que pensam aqueles com quem, no futuro próximo, mais poderemos contar como parceiros económicos - os países lusófonos -, nem sequer aqueles de quem mais dependemos - os nossos parceiros da União Europeia -, embora a tríade e os mercados financeiros queiram fazer crer o contrário.
Todos os que nos visitam enaltecem o salto que Portugal conseguiu alcançar nas suas infra-estruturas e nos sistemas sociais. E nenhum, entre aqueles que verdadeiramente nos conhecem, atribui mais responsabilidades à governação nacional do que à penúria de Europa pela actual situação de crise.
Cada dia que passa, o MoU vai-se dando a conhecer da pior maneira possível, fazendo estrago atrás de estrago, até à desilusão final - o putativo regresso de Portugal aos "mercados", lá para 2013. Pelo caminho, deixará um rasto de empobrecimento económico e social, de descrença generalizada, de atrofia do sistema bancário e de cedência, a preços de saldo, de alguns dos melhores activos nacionais. De pouco valerão uns quantos programas de estímulo à actividade económica, ao empreendedorismo ou à inovação - o cenário é e continuará a ser recessivo por um bom par de anos. Perante as novas previsões do BCE quanto ao crescimento da economia da Zona Euro, o pessimismo adensa-se e as perspectivas de incremento das actividades exportadoras resvalam para o campo da incerteza.
No dia em que o MoU for dado como cumprido - e, infelizmente, teremos mesmo de o cumprir -, as contas públicas portuguesas aparentarão melhor forma, os défices orçamentais estarão controlados, alguns serviços públicos terão sido extintos ou "racionalizados" e o número de autarquias será, provavelmente, menor. Teremos sido bons alunos. Mais pobres do que hoje, sem perspectivas sólidas de futuro, mas bons alunos. Afinal, é assim que eles gostam de nos ver.
Economista; Professor do ISEG
Assina esta coluna mensalmente à segunda-feira
É certo que não podemos viver acima das nossas posses e da nossa capacidade de endividamento, muito menos num mundo globalizado onde os factores de produção se deslocam com a mesma facilidade da transferência da sede de um grupo económico para um paraíso fiscal. É certo que facilitámos, na convicção de que a União Europeia, a moeda única e o crescimento económico acomodariam sem problemas de maior as nossas aspirações a uma melhoria das condições de vida. Mas os resultados são inquestionáveis. Nos últimos 25 anos, enquanto a indústria se deslocalizava para o Oriente, Portugal conseguiu atingir um patamar de qualidade de vida que nem os revolucionários de Abril imaginariam ser possível.
Agora, que a crise económica internacional nos atingiu em pleno, desatámos a carpir mágoas pelos males do crédito fácil e do que ele permitiu alcançar. Para quem tem da política uma ideia de gestão do almoxarifado, os efeitos perversos são aflitivos. Mas, pelo menos na esfera das políticas públicas, a ineficiência económica e social do trajecto seguido está longe de ficar provada. Auto-estradas a mais, hospitais em excesso, escolas caras? Não é o que pensam aqueles com quem, no futuro próximo, mais poderemos contar como parceiros económicos - os países lusófonos -, nem sequer aqueles de quem mais dependemos - os nossos parceiros da União Europeia -, embora a tríade e os mercados financeiros queiram fazer crer o contrário.
Todos os que nos visitam enaltecem o salto que Portugal conseguiu alcançar nas suas infra-estruturas e nos sistemas sociais. E nenhum, entre aqueles que verdadeiramente nos conhecem, atribui mais responsabilidades à governação nacional do que à penúria de Europa pela actual situação de crise.
Cada dia que passa, o MoU vai-se dando a conhecer da pior maneira possível, fazendo estrago atrás de estrago, até à desilusão final - o putativo regresso de Portugal aos "mercados", lá para 2013. Pelo caminho, deixará um rasto de empobrecimento económico e social, de descrença generalizada, de atrofia do sistema bancário e de cedência, a preços de saldo, de alguns dos melhores activos nacionais. De pouco valerão uns quantos programas de estímulo à actividade económica, ao empreendedorismo ou à inovação - o cenário é e continuará a ser recessivo por um bom par de anos. Perante as novas previsões do BCE quanto ao crescimento da economia da Zona Euro, o pessimismo adensa-se e as perspectivas de incremento das actividades exportadoras resvalam para o campo da incerteza.
No dia em que o MoU for dado como cumprido - e, infelizmente, teremos mesmo de o cumprir -, as contas públicas portuguesas aparentarão melhor forma, os défices orçamentais estarão controlados, alguns serviços públicos terão sido extintos ou "racionalizados" e o número de autarquias será, provavelmente, menor. Teremos sido bons alunos. Mais pobres do que hoje, sem perspectivas sólidas de futuro, mas bons alunos. Afinal, é assim que eles gostam de nos ver.
Economista; Professor do ISEG
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