Hepatite? Se acha que esta doença é apenas de alcoólicos, toxicodependentes e de pessoas com uma vida sexual promíscua, corre sérios riscos de estar entre os 70 por cento dos 200 mil portugueses que se estima serem portadores destes tipos de vírus sem o saberem.
Muitos doentes chegam aos hospitais demasiado tarde (Foto: Paulo Pimenta/arquivo)
A hepatite é traiçoeira. É como um fruto reluzente que não dá quaisquer sinais de estar podre por dentro. É uma doença silenciosa que quando se manifesta é porque - provavelmente - será tarde de mais para o fígado recuperar. A Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu, por isso, criar uma data comum para alertar para este problema: hoje assinala-se pela primeira vez a 28 de Julho o Dia Mundial das Hepatites, data de nascimento de Baruch Blumberg, Nobel da Medicina que descobriu o vírus da hepatite B na década de 60 e a respectiva vacina. O PÚBLICO foi ouvir médicos e doentes, sobre os dois tipos de hepatite mais comuns: B e C.
Estimativas da OMS apontam para que existam mais de 350 milhões de pessoas com hepatite B crónica e pelo menos 250 milhões com hepatite C. As zonas mais afectadas são China, Índia, África e Europa de Leste mas, com os movimentos migratórios, são cada vez mais os países que criam bolsas com esta infecção que pode provocar inflamação do fígado e que pode evoluir para fibrose, cirrose e cancro primário do fígado. Portugal é um dos países com média a baixa prevalência - ou seja cerca de 100 mil pessoas têm hepatite B e quase outras tantas hepatite C, sendo que 70 por cento não sabem. Mas a comunidade imigrante já representará mais de 30 mil das infecções. O HIV, a título de exemplo, atinge 20 a 30 mil portugueses.
"O corpo habitua-se"
Norberto é reformado, tem 62 anos, e vive em Lisboa. Há mais de 20 anos, perante algum cansaço e depois de umas análises à sua mulher terem revelado contacto com o vírus da hepatite B, fez análises de rotina que acusaram a doença. "Quando a médica me disse que tinha hepatite B primeiro foi como beber um copo de água. Só quando saí da consulta é que percebi. Parecia que o mundo tinha desabado. Na altura era igual a uma sentença de morte e eu tinha um filho pequeno", contou ao PÚBLICO.
Algum tempo depois foi parar às mãos de Leopoldo Matos, hepatologista e director do Serviço de Gastrenterologia do Hospital Egas Moniz (Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental). Seguiu à risca durante um ano as três injecções semanais que aprendeu a dar a si próprio e resistiu aos efeitos secundários iniciais do tratamento, semelhantes aos de uma gripe forte, que os actuais medicamentos já minimizam.
Mesmo assim, Norberto assevera: " O importante é não desistir e o corpo depois habitua-se. Fui sempre cumpridor com o tratamento e cuidadoso com o álcool que é o nosso inimigo quando temos hepatite. E a verdade é que fiquei curado. Já não tenho sinais do vírus." No caso da hepatite C já há medicamentos que curam muitos casos. Na hepatite B há uma vacina (que faz parte do Plano Nacional de Vacinação) e, para quem está infectado, terapêuticas que ajudam a reduzir a carga viral, dependendo depois do sistema imunitário de cada doente a capacidade de cura.
Sobre o contágio, Norberto pensa que terá sido nos tempos de tropa onde teve um grande acidente. " Ficámos misturados os vivos e os mortos, com sangue por todo o lado e fiquei internado seis meses. Mas quando soube da doença nunca escondi. Não podemos ter preconceito. Quando temos uma doença é quando mais precisamos do apoio dos outros." Mesmo assim prefere dar apenas o primeiro nome.
Os antigos militares são um dos grupos de risco, assim como pessoas com transfusões e cirurgias antes dos anos 90, trocas de seringas e relações sexuais desprotegidas. Mas simples idas à manicure, um cruzar de escovas de dentes ou tratamentos dentários podem ser suficientes pois os vírus resistem várias horas, mesmo quando submetidos a elevadas temperaturas.
Estimativas da OMS apontam para que existam mais de 350 milhões de pessoas com hepatite B crónica e pelo menos 250 milhões com hepatite C. As zonas mais afectadas são China, Índia, África e Europa de Leste mas, com os movimentos migratórios, são cada vez mais os países que criam bolsas com esta infecção que pode provocar inflamação do fígado e que pode evoluir para fibrose, cirrose e cancro primário do fígado. Portugal é um dos países com média a baixa prevalência - ou seja cerca de 100 mil pessoas têm hepatite B e quase outras tantas hepatite C, sendo que 70 por cento não sabem. Mas a comunidade imigrante já representará mais de 30 mil das infecções. O HIV, a título de exemplo, atinge 20 a 30 mil portugueses.
"O corpo habitua-se"
Norberto é reformado, tem 62 anos, e vive em Lisboa. Há mais de 20 anos, perante algum cansaço e depois de umas análises à sua mulher terem revelado contacto com o vírus da hepatite B, fez análises de rotina que acusaram a doença. "Quando a médica me disse que tinha hepatite B primeiro foi como beber um copo de água. Só quando saí da consulta é que percebi. Parecia que o mundo tinha desabado. Na altura era igual a uma sentença de morte e eu tinha um filho pequeno", contou ao PÚBLICO.
Algum tempo depois foi parar às mãos de Leopoldo Matos, hepatologista e director do Serviço de Gastrenterologia do Hospital Egas Moniz (Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental). Seguiu à risca durante um ano as três injecções semanais que aprendeu a dar a si próprio e resistiu aos efeitos secundários iniciais do tratamento, semelhantes aos de uma gripe forte, que os actuais medicamentos já minimizam.
Mesmo assim, Norberto assevera: " O importante é não desistir e o corpo depois habitua-se. Fui sempre cumpridor com o tratamento e cuidadoso com o álcool que é o nosso inimigo quando temos hepatite. E a verdade é que fiquei curado. Já não tenho sinais do vírus." No caso da hepatite C já há medicamentos que curam muitos casos. Na hepatite B há uma vacina (que faz parte do Plano Nacional de Vacinação) e, para quem está infectado, terapêuticas que ajudam a reduzir a carga viral, dependendo depois do sistema imunitário de cada doente a capacidade de cura.
Sobre o contágio, Norberto pensa que terá sido nos tempos de tropa onde teve um grande acidente. " Ficámos misturados os vivos e os mortos, com sangue por todo o lado e fiquei internado seis meses. Mas quando soube da doença nunca escondi. Não podemos ter preconceito. Quando temos uma doença é quando mais precisamos do apoio dos outros." Mesmo assim prefere dar apenas o primeiro nome.
Os antigos militares são um dos grupos de risco, assim como pessoas com transfusões e cirurgias antes dos anos 90, trocas de seringas e relações sexuais desprotegidas. Mas simples idas à manicure, um cruzar de escovas de dentes ou tratamentos dentários podem ser suficientes pois os vírus resistem várias horas, mesmo quando submetidos a elevadas temperaturas.
Leopoldo Matos confirma que Norberto é um bom exemplo de adesão à terapêutica - um dos principais problemas. "Estamos com um grande problema de diagnóstico tardio. Na maioria dos casos os doentes descobrem por acaso. Caso contrário chegam-nos à consulta em circunstâncias exuberantes como o drama do carcinoma hepato-celular com todos os custos que isso envolve", disse ao PÚBLICO o especialista durante o congresso da Associação Europeia para o Estudo do Fígado, que decorreu recentemente em Berlim.Uma opinião corroborada por Rui Tato Marinho, do Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Lisboa Norte), membro da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado e também presente no encontro. Tato Marinho alerta mesmo que "os anos de vida potencialmente perdidos com as doenças de fígado já estão quase iguais aos da doença cardíaca", pelo que seria "importante sensibilizar os médicos de família para incluírem nas análises a ALT" - uma das formas de despistar problemas do fígado.
"Apagar fogo com gasolina"
Também Filipe Calinas, do Hospital dos Capuchos (Centro Hospitalar de Lisboa Central), insiste que "quando um doente é referenciado atempadamente a probabilidade de vir a morrer devido à hepatite é muito reduzida". Quanto a conselhos, insiste que “até os indivíduos mais conservadores podem estar infectados”, que se deve “seguir a medicação à risca” e lembra que nas hepatites “álcool é como apagar fogo com gasolina”.
Um conselho que assenta a Tiago Tavares, de 36 anos, que há dois anos descobriu ter hepatite C. "Tive problemas relacionados com álcool e fiquei com alguns problemas de estômago que me levaram ao médico. Nas análises globais que pediram detectaram a hepatite C e já com níveis muito elevados. Estou há um ano a fazer comprimidos e uma injecção por semana. De início custou mas é o melhor para mim. Temos de ser positivos e tenho tentado ajudar outras pessoas a estarem atentas. Quanto a resultados os médicos dizem que o vírus está a desaparecer. Talvez me cure e quase de certeza que se cumprir tudo não morro disto", diz o actual desempregado.
"A estratégia do quadrado da batalha de Aljubarrota é a melhor para as hepatites. São vírus que se replicam com facilidade e depressa e temos de actuar em várias frentes: no sistema imunitário e ao mesmo tempo nas várias fracções do vírus. Mas para isso é preciso que os doentes apareçam. O drama é que são doenças silenciosas e nós somos como máquinas que devíamos ir a revisões periódicas. O problema não é ter a doença. É não se saber que se tem", resume Fátima Serejo, especialista do Hospital de Santa Maria.
"Apagar fogo com gasolina"
Também Filipe Calinas, do Hospital dos Capuchos (Centro Hospitalar de Lisboa Central), insiste que "quando um doente é referenciado atempadamente a probabilidade de vir a morrer devido à hepatite é muito reduzida". Quanto a conselhos, insiste que “até os indivíduos mais conservadores podem estar infectados”, que se deve “seguir a medicação à risca” e lembra que nas hepatites “álcool é como apagar fogo com gasolina”.
Um conselho que assenta a Tiago Tavares, de 36 anos, que há dois anos descobriu ter hepatite C. "Tive problemas relacionados com álcool e fiquei com alguns problemas de estômago que me levaram ao médico. Nas análises globais que pediram detectaram a hepatite C e já com níveis muito elevados. Estou há um ano a fazer comprimidos e uma injecção por semana. De início custou mas é o melhor para mim. Temos de ser positivos e tenho tentado ajudar outras pessoas a estarem atentas. Quanto a resultados os médicos dizem que o vírus está a desaparecer. Talvez me cure e quase de certeza que se cumprir tudo não morro disto", diz o actual desempregado.
"A estratégia do quadrado da batalha de Aljubarrota é a melhor para as hepatites. São vírus que se replicam com facilidade e depressa e temos de actuar em várias frentes: no sistema imunitário e ao mesmo tempo nas várias fracções do vírus. Mas para isso é preciso que os doentes apareçam. O drama é que são doenças silenciosas e nós somos como máquinas que devíamos ir a revisões periódicas. O problema não é ter a doença. É não se saber que se tem", resume Fátima Serejo, especialista do Hospital de Santa Maria.
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