segunda-feira, 24 de outubro de 2011


Estudo

Um terço dos toxicodependentes em tratamento assume continuar a consumir drogas

21.10.2011 - 13:05 Por Catarina Gomes
“Está a voltar a aparecer um tipo de consumo problemático que se encontrava há 15 anos atrás”, diz João Goulão (Fernando Veludo)
Um terço dos toxicodependentes em tratamento assume continuar a consumir drogas, revelam dados recolhidos em Portugal, integrados um estudo europeu (Project Access) que decorre durante este ano em 11 países, com o objectivo de sustentar decisões informadas relativamente às políticas e tratamento da toxicodependência na Europa.

O presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), João Goulão, afirma que muitos médicos estão a prescrever doses demasiado baixas que, em muitos casos, “não permitem a abstinência total”.

Quando se fala de tratamentos de substituição, à cabeça surge o tratamento com metadona, uma substância prescrita pelos médicos que permite substituir a heroína e, em segundo lugar, a buprenorfina, que também é um fármaco que substitui a heroína e que acalma o síndroma de carência. Em média, os consumidores questionados reportam estar em tratamento uma média 5,7 anos.

O presidente do IDT, João Goulão, afirma que ainda existe algum preconceito dos terapeutas em relação ao uso da metadona, o que leva a que prescrevam “doses mínimas que às vezes não correspondem às doses de conforto, que lhes permitam manterem-se sem consumir”.

Os dados deste estudo - em que foram entrevistados 210 consumidores e 60 médicos que trabalham nesta área - permitem também concluir que 14% dos toxicodependentes em tratamento assume que desvia a medicação e 16% assume que compra medicação não prescrita, sendo que a metadona e as benzodiazepinas (substâncias com efeitos sedativos, nomeadamente ansiolíticos) são vistas pelos consumidores como os medicamentos mais fáceis de encontrar à venda no mercado paralelo.

O estudo revela também que 10% dos toxicodependentes assume que faz um mau uso da sua medicação com o objectivo de potenciar o efeito dos fármacos, injectando, por exemplo, a metadona ou a buprenorfina, que são preparadas para serem tomadas oralmente.

Outra conclusão é a de que os médicos prescrevem sobretudo metadona porque esta é dada gratuitamente aos utentes, mas não é necessariamente aquela que teria mais eficácia em termos terapêuticos. Os clínicos retraem-se de receitar outros fármacos por o seu custo ser incomportável para os utentes. No caso da buprenorfina o custo mensal para um utente pode chegar aos 60 euros, explicou Goulão, isto já depois de ser comparticipado a 40% pelo Estado. O responsável afirma que chegou a ser equacionada a compra destes fármacos para administração gratuita, mas admite que, face ao contexto de crise actual, esta hipótese “está fora de questão”. A apresentação do estudo foi hoje, no âmbito do XXIV Encontro das Taipas, intitulado “A nossa saúde”, que decorre entre os dias 19 e 21 de Outubro, no Colégio S. João de Brito, em Lisboa.

Esta semana soube-se que o IDT, que coordena a estratégia de combate à toxicodependência e ao alcoolismo, vai desaparecer para ser substituído por uma direcção geral, o chamado Serviço de Intervenção dos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD). A prestação do tratamento vai passar a ser coordenada pelas Administrações Regionais de Saúde. Neste momento existem cerca de 70 unidades de tratamento para a toxicodependência espalhadas pelo país, que garantem o acesso aos tratamentos, explicou Goulão.

Questionado sobre as repercussões da mudança organizativa na área, Goulão respondeu que existem riscos, uma vez que “o contexto social é propício ao recrudescimento de fenómenos como a marginalidade e a exclusão social. Haverá mais pessoas a recorrer ao pequeno tráfico para sobreviver, para alimentar a família, e a consumir de álcool e tranquilizantes para afogar mágoas”. Na sua opinião, “este factor, coincidindo com desinvestimento e desarticulação pode ser perigoso”.

Goulão notou que, em média, cada médico da rede tem a seu cargo o acompanhamento de 155 doentes, o que considerou ser um número grande e notou que “existe uma sensação vinda de quem está no terreno que está voltar a aparecer um tipo de consumo problemático que se encontrava há 15 anos atrás”. Goulão nota que “o que Estado gasta com anti-retrovirais (destinados ao tratamento do VIH/sida) é muito mais do que gasta com todo o IDT”, e que houve uma diminuição do número de toxicodependentes infectados, podendo haver recrudescimento de infecções por esta via. “Não estou a dramatizar. Todos sabemos que a manta é curta, mas é esta é uma área muito sensível às mutações sociais”.

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